O encontro de sábado 11 rendeu legal. Muitos pontos de vista enriquecedores que realmente me fizeram apreciar mais o livro. Não que não esteja gostando, mas não estava imensamente apaixonado — ainda não estou, mas agora subiu na minha avaliação. Apreciar um livro coletivamente multiplica mesmo a experiência.
Segue um resumo do que lembro. Com certeza, não é tudo. Então, quem puder complementar com o que faltou ou mais observações, por favor…
Assustador
O livro é muito atual nesta época de catástrofe ambiental e volta do autoritarismo. Tanto que esse aspecto de realismo chega a causar incômodo. Mas isso também torna o livro mais interessante e instigante.
Humor corrosivo
Ao mesmo tempo, tem situações engraçadas — algumas até hilárias —, apesar de ser um humor trágico e nervoso, em meio ao horror completo.
Passividade
Souza é um reclamão, com muitas ideias e pouca ação. Um cara nostálgico que fica lembrando do passado de modo estéril. Pode não despertar tanta empatia. Mas é possível compreender ou até se identificar com ele.
Sobre a passividade de Souza, foi mencionado o ótimo (apesar de chocante) filme Não Fale o Mal (a versão original europeia) — (alerta de spoiler conceitual leve) coisas horríveis acontecem porque as vítimas, no fundo, deixam acontecer.
Somos como Souza?
A falta de atitude de Souza é como a inércia das pessoas hoje frente às crises, principalmente ambientais. Mas podemos condená-lo por isso?
Ele não nasceu desse jeito. De certa forma, foi moldado pelo ambiente cultural, social e político, assim como as pessoas são, disfarçadamente, controladas hoje.
Transformação
O elemento fantástico do furo na mão parece coincidir com uma abertura em sua visão. Quando o buraco se completa, ele passa a enxergar de olhos mais abertos a desgraça ao redor, e sua vida se torna um caos.
Casal
Apesar de Souza destratar e, às vezes, esquecer da esposa, sua personalidade é ambígua. Além de não sabermos exatamente quem culpar nos desentendimentos do casal, o terno carinho que ele guarda pela esposa torna seus sentimentos mais complexos.
O amor que foi morrendo entre o casal, de certo modo, é um reflexo da lenta morte do mundo. Não é difícil se identificar com essa situação.
É especialmente marcante a cena de flashback com a esposa tocando piano, como ela foi suprimindo seus impulsos artísticos, e a culpa que Souza sente por isso, em como ele foi se afastando e, assim, influenciando a distância e frieza entre o casal. Isso enriquece e traz uma profunda dimensão pessoal à história.
Emergência climática
Cenas como a do avô derrubando árvores com Souza ainda criança, a extinção da Amazônia e sua transformação em um deserto, e a ausência completa de expressões vivas da natureza que não o ser humano fazem pensar muito na atual emergência climática e ecológica.
É algo gravíssimo, acontecendo quase na frente de nossos olhos, que muitas vezes não damos muita atenção. Mas também falta liberdade e condições para que as pessoas possam fazer algo. A sutil dominação e o condicionamento são barreiras. Não estamos imunes a isso.
Um exemplo de condicionamento é o sobrinho, alguém que já nasceu naquela terra apocalíptica. Não sente falta de natureza porque nunca viu, não sabe o que é.
O que fazer
Assim como Souza parece impotente, também é possível se sentir assim diante do mundo atual. Mas o próprio clube de leitura é um exemplo de fazer algo ativamente que vai um pouco contra a acelerada, algorítmica e ideológica cultura dominante.
Outro exemplo é o modo mais alternativo com que algumas das pessoas participantes usam a internet, com sites pessoais afastados das big techs, redes sociais contraculturais etc.
Chama a atenção no livro a ausência quase completa da tecnologia de informação, já que em 1983, quando o livro foi publicado, já havia computadores e previsões sobre sua futura dominação.
Material citado